terça-feira, 26 de maio de 2009

O difícil equilíbrio entre a construção e a preservação do património (cont.)

Património: tensão entre construção e preservação
Sande Lemos, antigo presidente da Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho, afirma ser normal a existência desse antagonismo nas “cidades vivas”: “Uma cidade, quando não desaparece na história, quando sobrevive ao tempo, acaba por provocar conflitos entre aquilo que é o seu próprio desenvolvimento e aquilo que é a preservação da sua memória”.

A cidade de Bracara Augusta, edificada pelos Romanos no ano de 16 a.C., em homenagem ao Imperador César Augusto, e que chegou a ser capital da Galécia (que se estendia até ao Rio Tejo), é um dos exemplos dessas “cidades vivas”. No entanto, não é por isso que as tensões são maiores do que noutros locais. Sande Lemos sustenta que o problema é comum às cidades históricas portuguesas : “Ao contrário de outros países da Europa, em que a urbanização se desenvolveu umas décadas mais cedo, em Portugal fez-se de uma forma acelerada”.

É por isso que diz que essa situação fez com que a Arqueologia enfrentasse problemas mais dramáticos, que não surgiram apenas por falta de planeamento. Decorreram de um processo global que teve que ver com a circunstância de o país rural, que Portugal era ainda nos anos 50 e 60 do século XX, se ter transformado rapidamente num país em que a maior parte da população começou a viver nas cidades.
Sobre Braga, diz tratar-se de “um caso típico”, observando que, a partir dos anos 60 do século XX, “houve um crescimento explosivo” e se colocou, de uma forma “dramática e imediata”, a questão de salvaguardar a memória da cidade e, ao mesmo tempo, permitir que a cidade se desenvolvesse.

O arqueólogo sublinha ser impossível haver sempre uma harmonia total entre construção e preservação do património, mas afirma que a situação melhorou depois de 1976, ano em que começou o programa de salvamento de Bracara Augusta pela UAUM . Esta instituição foi criada por decisão do primeiro Governo constitucional, liderado por Mário Soares, e é considerada “fulcral” por Sande Lemos, já que “evitou que se construísse na zona arqueológica de Braga" e, ao mesmo tempo, remeteu à Universidade do Minho essa missão.

Um longo salvamento de Bracara Augusta
Mais de 30 anos após o início desse salvamento, Sande Lemos, que também foi presidente da delegação do Norte do Instituto Português do Património Cultural (a que sucedeu o Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico), evidencia que a tarefa levada a cabo pela UAUM tem sido cumprida, embora não diga o mesmo em relação ao Município de Braga. “Eu considero que não tem cumprido como seria desejável e, até mesmo por uma questão de respeito em relação à figura de Mário Soares, eu creio que o Eng. Mesquita Machado devia ter uma atitude muito mais entusiástica e dinâmica em relação à conservação da memória histórica de Braga, conclui.

O vice-presidente da Câmara de Braga, Nuno Alpoim, rejeita as críticas, embora assuma que é “uma permanente tensão” conservar o património, impedir a sua destruição e, ao mesmo tempo, “permitir condições para que as gerações actuais também possam viver com comodidade e com qualidade”, criando, também, património.
Responsável pelos pelouros do Planeamento e do Centro Histórico, afirma que a autarquia há muito criou condições destinadas a diminuir esse conflito. A título de exemplo, refere a inclusão da carta do património arqueológico na primeira versão do Plano Director Municipal (PDM): “Numa altura em que essas cartas não eram obrigatórias, constituímos o que chamámos um ‘inventário preventivo’, onde a Arqueologia é a parte melhor documentada em termos de planeamento”. Esta iniciativa foi concretizada com o apoio da UAUM (sobre o PDM e outros planos de ordenamento do território ver menu Opinião).
De seguida, “perante as dificuldades que o então IPPC tinha em fazer o acompanhamento das escavações, das emergências e dos salvamentos”, foi constituído o Gabinete de Arqueologia na Câmara Municipal de Braga (GACMB), e criou-se uma unidade especial para o Centro Histórico, que foi Divisão de Renovação Urbana, “que tem uma sensibilidade e uma atenção mais cuidada em relação a essas áreas”.
Neste momento, todas as construções observam condicionantes arqueológicas. Nos casos mais simples, têm um acompanhamento, com escavações por sondagens; nos mais complexos, com escavações extensíveis. O vereador observa que foi o que aconteceu numa obra que considera "emblemática" e que está em curso na cidade: o prolongamento do túnel da Avenida da Liberdade e da reconversão do quarteirão dos antigos Correios” (ver menu Exemplos).

Críticas à Câmara de Braga
Para Miguel Bandeira, docente universitário e membro da Associação para a Defesa, Estudo e Divulgação do Património Cultural e Natural (ASPA), não há defesa nem reabilitação do património “sem a participação dos cidadãos”. Reputa a defesa do património de “desígnio cívico” e vinca que ela não existe “sem cidadania”. Justifica com a manifestação realizada em Março pela defesa das Sete Fontes, em que a ASPA esteve envolvida (ver menu Exemplos).
Assume que o cidadão tem sempre uma palavra a dizer, não obstante a tensão de forças que existe permanentemente entre os alegados interesses económicos, “muitas vezes materializados nos interesses imobiliários e da construção civil” e “os interesses da defesa do património, centrados nos domínios do conhecimento”. “Não são só os dirigentes políticos que devem assumir responsabilidades, são os cidadãos na plenitude dos seus direitos que devem expressar e dar o testemunho para além daquilo que são os actos eleitorais”, concretiza.

Critica a Câmara de Braga por tomar decisões “nas costas dos seus munícipes”, citando como exemplo a proposta de plano de pormenor para as Sete Fontes: “A decisão política, se não for sustentada tecnicamente e cientificamente, não será uma boa decisão, seja ela qual for. Neste caso, eu tenho as minhas dúvidas de que, até nesse plano de pormenor de que se fala, isso tenha sido feito”.

Uma ideia que vai ao encontro da opinião do presidente da Junta de Freguesia de S. Victor, Firmino Marques, para quem não surpreende o facto de se ter conhecido a intenção da Câmara em concretizar um plano de pormenor para as Sete Fontes, depois da marcha que foi feita em defesa do complexo arquitectónico: “O complexo esteve engavetado, para ser classificado, durante oito anos e, em 15 dias, avançou”.
Acusa a Câmara de não ouvir as propostas que a Junta de S. Victor tem, nomeadamente no que ao património diz respeito, e observa que a gestão municipal “leva muito pouco em conta o planeamento urbano, para ter uma melhor cidade no futuro”.

O Património, as Sete Fontes e a política
O vice-presidente da Câmara de Braga sublinha que a autarquia está aberta ao diálogo e diz não concordar com as críticas que são feitas à gestão do Município. Sustenta que “o património é demasiadamente importante para servir de arma de arremesso político”, acusando alguns sectores, sem dizer quais, “para quem o património tem um valor puramente instrumental, para a luta político-partidária”.
Liga, ainda, o aparecimento de casos como o das Sete Fontes (ver menu Exemplos) ao facto de este ano se realizarem eleições autárquicas, numa postura que é vivamente contestada quer por Sande Lemos, quer pelo coordenador-geral da JovemCoop, Ricardo Silva, que afiançam que os problemas das localidades devem ser ainda mais discutidos nestas alturas.
O dirigente da JovemCoop, também arqueólogo, queixa-se da falta de diálogo por parte da Câmara e de esta nem sequer receber a Associação quando são solicitadas audiências para discutir assuntos como as Sete Fontes. Assume que gostava de ter um papel mais activo no processo de decisão: “Braga tem vivido num isolamento e isso não é bom nem para o executivo, que não conhece o terreno, nem para os cidadãos. Decide-se com ideias que não são compatíveis com a realidade, por desconhecimento”.

Bracara Augusta, um ex-libris?
Quem chega a Braga, via auto-estrada, é brindado com as boas-vindas à cidade do Barroco, não sendo feita qualquer referência a Bracara Augusta. Apesar disso, o vice-presidente da Câmara assume que o nome com que a cidade foi baptizada pelos romanos é um ex-libris do Município. Justifica-o com o esforço financeiro “significativo” que a Câmara efectuou em relação ao assunto e que só na colina de Maximinos representou um investimento de 1 milhão de euros: “Há um conjunto de investimentos e de iniciativas que mostram que o património não tem estatuto menor nas preocupações do Município” (ver menu Exemplos).
Miguel Bandeira e Sande Lemos concordam que Bracara Augusta seja um ex-libris de Braga, já que os vestígios existentes e a importância que teve no passado isso justificam. Enaltecem o facto de a cidade ter um local “de excelência”, como o Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa, para mostrar os achados (ver menu Exemplos) e promover acções conducentes à defesa da memória do património.
Ricardo Silva diz ficar surpreendido com o facto de Nuno Alpoim assumir Bracara Augusta como aposta estratégica, atendendo à pouca divulgação que faz da temática”. E concretiza: “A Câmara pode ter um Gabinete de Arqueologia que até faz grandes intervenções no centro e faz registos arqueológicos, mas isso não passa para o grande público, nem sequer existem placas que indiquem, nomeadamente aos turistas, onde estão alguns espaços museológicos”. Critica também o facto de não ser explorado, numa lógica de marketing, merchandising associado a Bracara Augusta que “até poderia criar uma espécie de indústria de património e gerar receitas”. Lamenta que as marcas romanas (ver menu Marcas Romanas) “apenas sejam exploradas por entidades privadas”.
Sobre o facto de o vice-presidente da Câmara assumir como responsabilidade que, para além da preservação é necessário criar novo património, lamenta que isso seja concretizado à custa da destruição de um monumento nacional, dando como exemplo a eliminação do Castro Máximo para que fosse construído o novo Estádio Municipal de Braga (ver menu Exemplos).
O responsável pelo GACMB, Armandino Cunha, reconhece que a falta de placas identificativas constitui “um problema”, mas que decorre do facto de o centro da cidade estar pejado de sinalética o que “inviabilizaria uma correcta visualização dos sinais eventualmente colocados”. Preconiza, a médio prazo, a colocação em pontos estratégicos da cidade de postos de informação multimédia e, no futuro, a disponibilização do serviço via GPS.

O futuro e o património arqueológico
Para a sustentabilidade futura do património, Sande Lemos sublinha ser necessário ter em atenção a elaboração de um PDM “em que o património arqueológico seja devidamente considerado em benefício de toda a gente, investidores, património arqueológico, para que todos saibam exactamente o que é que está em cada local”. Diz ainda ser urgente a realização de projectos específicos para os pontos mais emblemáticos de Braga, bem como “um projecto fundamental que constitui a recuperação do centro histórico na sua totalidade e que seria uma base de criação de emprego em muitas áreas, tornando a cidade competitiva do ponto de vista cultural e com um melhor futuro”.


Embora seja quase consensual a impossibilidade de equilíbrio entre a construção e a preservação do património, Miguel Bandeira diz tratar-se de um problema que é transversal a Portugal, ressalvando no entanto que as leis que existem “são boas, embora não sejam cumpridas”. Uma situação que se agrava quando o panorama é local: “Ao nível local e municipal há um sentimento de grande desregulação e falta a sensação da existência de critério de sustentabilidade e de cientificidade até nas decisões e o envolvimento da população, como factor da sua cidadania”.
Não obstante, considera que ainda se está a tempo de “corrigir erros feitos no passado e de poder reabilitar-se o território”, sublinhando ser imperativo “inverter a tendência verificada nos últimos anos em Braga”.


Para ver esta reportagem em vídeo, basta aceder ao menu Multimédia.

1 comentário:

  1. Sou estudante de Museologia da Universidade Federal do Reconcavo da Bahia, e pesquisando sobre patrimonios, descobri seu blog, muito bom.
    A minha pergunta é:
    Quando termina a construção a construção do Patrimonio?

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